Soprando as plumas do dente-de-leão
Esta edição do Lápis tem mais cara de newsletter porque tá cheia de notícias, mas tem também as reflexões de sempre.
Vocês assistiram Leo?
Minha irmã já tinha me falado que havia gostado. Vi numa tarde de domingo, logo depois de chegar do Brasil, e confesso, fiquei emocionada. Sou fã de animações. Já passei pela fase Moana (cheguei a praticar dança da Polinésia com uns tutoriais, ainda quero aprender de verdade), pela fase Trollhunters (Guillermo del Toro pra ver com ou sem crianças), pelo remake da She-ra (bem mais bacana que o original). Eu entro naquele universo e fico um tempo por ali, explorando.
Voltando ao Leo, chorei na música em que as crianças falam das desilusões que tiveram ao longo dos seus onze anos de vida. Mais ou menos dramáticos os tombos, todos trazendo o movimento inevitável de crescer.
Diz um dos personagens:
When I was five
I didn’t care that people died
a haircut used to make me cry way more.
Uma a uma, elas vão contando como não tinham nenhuma preocupação, como era fácil viver naquela época em que a vida ainda era só diversão. “Mas isso foi naquele tempo”, conclui a professora severa, apagando a lousa.
Recordações de infância são preciosas para algumas pessoas; para outras, dolorosas. Muitas vezes, uma mistura dos dois. Uma vez, num ateliê de escrita de que participei, cada participante precisava responder uma pergunta quando se apresentasse, e um dos colegas caiu com: qual foi o momento em que você soube que já não era mais criança?
Lembro de ficar pensando sobre isso, pensando muito mesmo, ciente de que eu ainda era uma criança, mas que aquilo ia mudar. Eu media o tempo, comparava os anos: aquele em que eu tinha sete com aquele em que eu já tinha nove, tentava fazer sentido desse caminho sem volta. Por mais doído que fosse ser alvo de todo tipo de provocação na escola (fui uma criança míope e gorda), eu gostava demais de ser criança. Principalmente, de todo o tempo que eu tinha pra pensar. A coisa mais importante do mundo era ficar olhando para a vida em volta de mim e pensando sobre ela. Por isso, com frequência os adultos vinham me perguntar se eu estava triste. “Não, só estou pensando”, eu respondia.
A primeira parte do Maneiras de temer o fim do mundo fala dessa mescla de maravilhamento e inquietação na infância. Foi um período tão rico, tão denso, que há tempos eu queria trazer para a escrita.
Maneiras de temer o fim do mundo está em pré venda até dia 13/02 no site da Helvetia Edições, com desconto e frete grátis para todo o Brasil e Europa central:
Obrigada a todas as pessoas que compraram o livro, compartilharam os posts e mandaram mensagens. Vocês são uma maravilha!
A porosidade dos gêneros literários é um espaço bom de habitar
O meu livro é romance? São contos? Ou crônicas?
Leitores diferentes disseram coisas diferentes sobre o Maneiras. Eu o estava chamando de romance, porque foi assim que o apresentei para a Helvetia, mas na ficha catalográfica, diz: “Coletânea. Contos, crônicas, poesias”. Então é isso, resolvida está a questão. Para mim, tanto faz a classificação. Gosto de escrever nas beiradas dos gêneros, bagunçando um pouco as fronteiras.
O livro está prontinho, diagramado, só falta imprimir — o que acontecerá no fim da pré-venda.
Ver a ficha catalográfica, aliás, o tornou mais real. Ao folhear o PDF diagramado, eu consegui vislumbrar o livro como uma leitora, a uma certa distância da minha posição de autora e, ao mesmo tempo, mais perto dele: porque o livro, de verdade, é de quem lê. Uma vez que as palavras estão no papel, abri mão do controle, soprei as plumas do dente-de-leão e não sei onde vão parar.
E então ela olhou para os próprios pés…
Nessa busca por me situar na multicrise (vi esse termo no jornal outro dia e guardei na bolsa), andei pensando (sob influência de Stefano Mancuso) em como as plantas se adaptam às adversidades, e na liguagem das baleias (continuo lendo Tom Mustill). Interessam-me as inteligências e modos de ser bem diferentes dos nossos.
A resposta à multicrise é uma resposta de muitas gerações. Não somos nós, aqui e agora, que vamos nos beneficiar. São outros seres, outras gerações. O nosso problema está em achar que somos tão especiais, individualmente. Em procurar soluções de felicidade para cada indivíduo.
Estou eu aqui dizendo isso mas acabo de publicar um livro que é precisamente sobre mim mesma, sobre lidar com as dores de crescer (a cada vez, parece um fim do mundo), sobre tornar-me escritora e chegar aqui onde estou. O livro termina onde eu começo: eu estou aqui. E nesse momento em que ele está ali, prontinho para ser impresso, eu estou aqui dizendo que esse trabalho de olhar para si é um processo não de construção, mas de desmonte. Um desmonte necessário.
Porque precisei me fazer inteira, de toutes pièces, como se diz em francês, para poder então enxergar que não é isso que interessa, não é a beleza do meu processo a questão. Eu sou, como você, somente um monte de células, organizadas de uma certa maneira, provavelmente nem a mais eficiente nem a mais resistente, no meio desse mundão de meu deus. E a vida, a vida na T/terra, ela não depende de nada disso.
Precisamos nos compreender como parte de algo muito maior, ou não temos chance alguma. Talvez, mesmo compreendendo isso, seja tarde demais para salvar (a civilização? nossa geração? as baleias?)
tendo dito tudo isso, voltemos ao prosaico:
Lançamento em Genebra dia 3 de março
Atenção! Mudou a data de lançamento em Genebra — decidi fazer num sábado, pois muita gente não consegue ir durante a semana. Vai ser no café que fica dentro do Les Recyclables, um sebo cheio de coisa maravilhosa.
Que simbólico lançar meu livro numa livraria de segunda mão. Sou fã do comércio circular, praticamente todo o meu guarda-roupa veio de segunda mão e é nessas lojas que procuro primeiro qualquer objeto de que precisemos em casa. Além disso, acho auspicioso, pois quero mesmo é que o livro circule: se o mesmo exemplar passar pelas mãos de muitas pessoas, que alegria! Que daqui a alguns anos meus livros estejam nas prateleiras não só das casas dos leitores e das livrarias, mas também dos sebos, para algum leitor distraído encontrar por acaso.
Você conhece alguém em Genebra ou perto daqui? Mande esse convite para essa pessoa. Vai ter lançamento em São Paulo também, na primeira quinzena de abril (confirmo a data em breve).
É isso por hoje. Se você já assina o Lápis, muito obrigada! Se não assina e gostaria de receber as próximas, tem um botão aí embaixo. Conhece alguém que ia gostar destas reflexões amarrotadas? Compartilhe o post!
Até breve,
Alice
PS: as leituras a que me refiro são:
A revolução das Plantas, de Stefano Mancuso (Ubu)
How to speak whale, de Tom Mustill (sem tradução para o português — alô, editoras, eu adoraria traduzir!)