Entreato
todo ano a mesma coisa, impossível escrever no verão. Só que desta vez tem mais coisa derretendo.
todas as persianas fechadas desde o primeiro sol, trinta e dois graus lá fora, 28 aqui dentro e estamos só na segunda semana do verão do calendário.
Em junho, eu:
desisti de tentar explicar a crise do IOF para meus alunos (nível A2 de português).
— em vez disso, levei Ney Matogrosso.
assisti todos os filmes da franquia Missão: Impossível com a minha filha.
mandei uma mensagem que dizia:
sou tão da cidade que nem sabia que isso existia.
História de um passeio na floresta acompanhando a classe da minha filha:
Lá estava eu, uma prancheta na mão e a ignorância com relação às espécies vegetais à minha volta batendo com tudo. O proverbial tapa na cara. A atividade era:
E olha que, dois anos atrás, eu já tinha reparado nisso, olhando pela janela do S-bahn em Berlim: não sei o nome de nenhuma dessas gramíneas que crescem em volta dos trilhos, pensei. As lojas ocupando enormes caixas suburbanas eu sabia reconhecer, os logotipos na fachada do shopping. Estou entre Marzhan e Poelchaustrasse, na linha sete. Mas, se não sei quais são as plantas em volta, então, não sei onde estou.
O que põe na roda a questão:
Você quer mesmo saber onde está?
Citando de cabeça a Angélica Freitas em Vida aérea,
o quanto você quer tudo isso?
me diga
e se você quer que embrulhe.
Quatro décadas andando na ponta dos pés em busca de uma garantia — de quê?
Aí passei o mês de junho olhando para a pergunta:
é desejo ou é senso de dever?
o dever ressecou todinho com esse calorão e caiu assim pro lado: -ver.
quiçá vai pegar fogo, que nem o sinal luminoso do supermercado numa cidade aqui perto:
Tenho até vergonha de dizer, me diverti muito no mês de junho.
Fazendo de conta que nada me obriga.
Negligenciando a escrita como se estivesse deixando de escovar os dentes. Ou de comer salada.
ou vai ver, alguém disse baixinho,
não tem nada disso.