Desconfie das coisas macias
Nesta edição: Squishmallows e a questão de escolher presentes. A capa do Maneiras de temer o fim do mundo e a epígrafe que a inspirou. Notícias sobre o lançamento. Votos de fim de ano.
Vou te espremer até morrer
Vocês sabem o que é um squishmallow? É uma espécie de almofada-bicho-de-pelúcia, extremamente macio e bom de apertar (daí o nome: squish, de apertar, e mallow, porque é macio como um marshmallow, e porque é suave, como a palavra mellow). A superfície deles é feita de um tecido que só pode ser poliéster de nanopartículas, porque é aveludada e macia como nenhuma outra substância dantes conhecida neste planeta. Existe em vários tamanhos, de uns que são maiores que um travesseiro (e custam mais de 200 reais, segundo me conta a internet) até a miniatura, tamanho chaveiro. E são um objeto muito cobiçado pelas crianças, pelo menos deste lado de cá do Atlântico.
Minha filha ganhou um de aniversário de uma amiga e ficou comovida. Aqui, abrem-se os presentes ao fim da festa, após o bolo, de modo que todas as crianças possam desfrutar o espetáculo (quando são menores, brigas não são incomuns, pois os amiguinhos querem para si os presentes do aniversariante).
Quando ela tirou de dentro do pacote o travesseiro maciíssimo, lilás claro, com uma boca e olhinhos bordados para remeter a algum animal indistinto, houve muitos ahhh e oinnnn e mãos estendidas para experimentar a suavidade dos derivados de petróleo. Desde então, ela dorme abraçada nessa almofada.
Toda vez que minha filha é convidada para um aniversário, fazemos a reflexão sobre o que escolher de presente: algo que não vá ficar encostado, no meio do excesso de objetos que as crianças possuem. Se possível, produzido localmente (o que em geral não é compatível com o orçamento). Já demos muito livro de presente, agora ela cansou disso, então temos tateado caso a caso: um bicho de pelúcia de segunda mão, uma camiseta que nós mesmas customizamos, um ingresso de cinema...
É preciso trazer um contraponto à satisfação imediata de comprar ou de ganhar um objeto fofinho que apela para nosso sistema neuroquímico de recompensa. Essa coisa aparentemente deliciosa é feita de derivados de petróleo, sabe-se lá em que condições de trabalho, enviada para cá de num cargueiro, e provavelmente em poucos anos vai acabar no lixão (ou, com sorte, no contêiner de doações).
Fui visitar o site da marca original (hoje, todos os fabricantes de brinquedos têm sua versão das almofadas macias. Sempre copiadas, jamais igualadas) e não há nada, nem uma linha, sobre responsabilidade socioambiental nem sobre a composição dos travesseiros. Imagino que seja segredo industrial o nome das partículas que as crianças abastadas o bastante respiram quando se aconchegam para dormir.
É uma delícia dar presentes, mas tenho pensado muito em como fazer isso de maneira responsável e verdadeiramente amorosa nos dias de hoje. O que estamos fazendo, de verdade, quando compramos um objeto para uma pessoa querida? Qual caminho aquele objeto percorreu até chegar às suas mãos? Ele é realmente útil, durável, ou vai ficar encostado num canto? Os presentes podem ter uma função transformadora? Podem ser atos de um afeto contestatório? (gostei dessa expressão, aliás)
O lado que eles nunca veem
Chegou esta semana a capa do meu primeiro livro, Maneiras de temer o fim do mundo. A Helvetia Edições usou como base a colagem lindíssima que a Sandra Acosta fez e colocou sobre um fundo brilhantoso bem anos 90:
A Sandra foi uma das primeiras pessoas a ler o livro, e no conceito da capa ela quis representar visualmente a epígrafe, tirada da música This is the Day, do The The, que diz assim:
But the side of you they never see
is when you’re left alone
with the memories that
hold your life together like glue
Daí essa montanha de memórias, sustentando a menininha ali em cima.
O livro é uma autoficção que se propõe justamente a refletir sobre essas lembranças que dão liga a minha vida, aquelas coisas a que a gente retorna sempre para se lembrar quem é, situar-se e poder continuar existindo. É o livro de uma mulher que aos quarenta anos finalmente admitiu que a vida não é um filme, não tem ensaio nem roteiro nem nota no boletim. É um olhar para a vida que esteve acontecendo enquanto eu estava ocupada sorvendo alegrias (e raspadinha de refrigerante) ou soterrada pelo medo e o luto.
Traduzindo livremente um trecho da letra de This is the Day:
Você podia ter feito qualquer coisa, se quisesse
e todos os seus amigos e a sua família
acham você uma sortuda.
Mas o lado que eles nunca veem,
é quando você está sozinha com as lembranças que
juntam os pedacinhos da sua vida.
Pra mim, é uma música que fala dessa saudade que a gente já tem das coisas enquanto elas estão acontecendo. E desse olhar sobre a vida como se a gente estivesse de fora, como o narrador na música:
você afastas as cortinas
e o sol queima seus olhos
vê um avião passando
pelo céu claro e azul
Inclusive há muitos anos me foi dito, em tom acusatório, que eu faço exatamente isso da vida: observo-a pela janela. Será que publicar um livro equivale a escapar por ela?
Temos: data de lançamento
Maneiras de temer o fim do mundo (Helvetia Edições) vai ser lançado em fevereiro! Já anotem aí, de 3 de janeiro a 13 de fevereiro vai ter pré-venda com desconto (de R$ 44,90 por 42,90) e frete grátis para todo o Brasil.
O lançamento propriamente dito aqui em Genebra será dia 27/02 das 17h às 18h30 no café Les Recyclables. Na primeira semana de março (data a confirmar) estarei no estande da Helvetia no Salão do Livro de Genebra.
Temos berliners entre os leitores aqui? Se sim, vejo vocês na semana do 7 de abril! Mais detalhes em breve.
Para acompanhar tudo e ir dando uma espiada no livro e no processo criativo você pode seguir meu Instagram: @aalicestock
Obrigada pela leitura! Se você curte o Lápis:
Aproveitem as festitas de fim de ano: abraços apertados em gente querida, torta de climão, animais mortos com farofa, calor calor, excesso de açúcar, chocotone e vinho branco gelado, tudo isso aí misturado. Se no meio dos supracitados eu conseguir, mando uma edição logo antes do ano novo.
Que alegria o lançamento! ⭐️